quinta-feira, março 08, 2012

Dissertação sobre a 'coisificação' do homem contemporâneo em análise do poema "Eu Etiqueta" de Carlos Drummond de Andrade

EU ETIQUETA 

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
 (Carlos Drummond de Andrade)

    No poema de Carlos Drummond de Andrade o homem significa que é aquilo que usa, ou seja, há a perda de seus valores éticos e morais. É normalmente nas propagandas das marcas mais famosas onde são mostrados os valores de ter sobre o ser das pessoas, por isso somos como homem-anúncio dessas marcas sem que possamos tomar sérias decisões, pois sempre estaremos usando marcas no nosso dia-a-dia.
    Quando uma pessoa está usando uma marca famosa, ela está passando uma mensagem através de uma linguagem não-verbal, independentemente de conhecê-la ou não.
    As relações sociais, de consumo e identidade fazem com que as pessoas usando objetos conhecidos por outras, vire uma "coisa". Como o autor diz no poema "(...) E fazem de mim homem-anúncio intinerante, Escravo da matéria anunciada."
    Conclui que a pessoa perde o valor como pessoas em si e vira uma "coisa" pelo simples fato de estar mudando seu comportamento, usando uma marca que não lhe pertence, onde perde sua livre escolha. O homem se torna uma máquina comandada pela publicidade.

Um comentário:

  1. A coisificação do homem e a humanização das coisas.Ha pouco tempo não fazia sentido, mas agora aprendi a enxergar o ponto de vista de acordo com a vista do ponto, e como isso consigo saber e ver exatamente o que me é mostrado escondido.

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